
Hegemonia política entre a juventude demanda acúmulo teórico na temática jovem
Em junho próximo, Fabiana Costa, 35 anos, mineira com o coração capixaba, doutoranda em Educação (Currículo da PUC/SP), passará a presidência do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), entidade fundada em 1984 e relançada em 2002, para Brenda Espindula, 29 anos, potiúcha (gaúcha com anos de vivência no Rio Grande de Norte) e graduada em Ciências Sociais pela UFRGS. Vamos compartilhar de suas impressões sobre a importância do CEMJ, sobre a situação juvenil no Brasil e sobre a luta de ideias nesse campo.
Moças, após a militância da União da Juventude Socialista (UJS), por ambas, como se delineou a perspectiva de assumir o CEMJ, entidade que exprime a necessidade da luta de ideias na área de juventude?
Bia: A experiência de militância desde os 16 anos na UJS foi determinante para minha formação política. Na União Nacional dos Estudantes, como vice-presidente em 2003, assumo a tarefa das ações institucionais no primeiro ano do governo Lula, um grande desafio político. Na ocasião inicia-se com ênfase o debate sobre Políticas Públicas de Juventude (PPJ), com a criação dois anos depois da Secretaria Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), passo importante na consolidação do debate de mais direitos para a juventude. A construção do Projeto Juventude, com a participação de diversos movimentos juvenis, que serviu como base para a plataforma juvenil da primeira eleição do Lula, e a realização do 1º Diálogo Nacional de Organizações e Movimentos Juvenis, inaugura o debate sobre a necessidade de um espaço institucional de PPJ. Na ocasião, Danilo Moreira, atualmente secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Juventude do governo. Lula, representava o CEMJ na elaboração das principais propostas de ações na área de PPJ. De lá para cá, foram só conquistas, com uma maior participação da juventude nos debates e a destacada participação da nossa corrente política no Conjuve. Em 2008, assumo a presidência do CEMJ, inaugurando uma fase importante de atuação no Conjuve e com destacada participação na 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. O CEMJ cada vez mais se consolida como uma instituição de formulação na área da juventude, tendo como referência as posições mais avançadas e progressistas sobre a temática. Tem sido a principal referência, através da Revista Juventude.br, na elaboração teórica sobre os temas vinculados à juventude.
Brenda: A vivência de mais de 10 anos na UJS, desde militante secundarista à direção executiva na UJS/RS, forjou em mim a convicção de quanto somos capazes em transformar as condições objetivas e subjetivas do nosso tempo. Também me fez refletir que cada individualidade pode assumir formas diferenciadas de militância, mas me fez entender que a centralidade da luta política exige, em determinados momentos, mais militantes com certas características do que outras. A minha geração da UJS foi aquela que teve que colocar a boca do trombone, porque era o auge da ofensiva neoliberal no país. O modelo de militante de “massa” era o que devia ser buscado. E eu nunca fui de falar habilmente para centenas. Sempre me questionava qual seria meu papel sendo comunista. Quando vi a primeira Revista Juventude.br e soube do relançamento do CEMJ em um congresso da UNE do ano de 2003, fiquei fascinada pela possibilidade de contribuir dessa maneira. Quando voltamos pro Rio do Grande do Sul, tentamos fundar o Juca, o Instituto João Carlos Haas Sobrinho, tentativa que foi infrutífera, já que as tarefas de direção executiva na UJS tomavam muito tempo e não tínhamos capacidade de designar um responsável pra isso. Procurei também associar aos temas da iniciação científica, que fazia lá na UFRGS, o recorte de juventude. Como a Bia falou, o movimento político de reconhecimento da juventude como segmento da população a ser considerada nas suas particularidades com o governo Lula veio a fortalecer a necessidade do CEMJ, enquanto centro de estudos voltados para a situação juvenil. Assim, em junho de 2008, na assembleia de recomposição da direção do CEMJ passei a ter a função de diretora de estudos e pesquisas.
Como vocês avaliam a produção sobre a juventude hoje? E qual o papel da Juventude.br nesse contexto? A revista do CEMJ já está na oitava edição, não é isso?
Bia: Há uma tentativa de estigmatizar a juventude do século XXI, como uma juventude que não se interessa pela política e que não participa. Recente pesquisa publicada pela pesquisadora Mary Castro, realizada durante a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, intitulada “Quebrando Mitos: Juventude, Participação e Políticas”, revela que a juventude tem participado cada vez mais dos espaços políticos e que existe hoje uma juventude politizada, engajada no campo das políticas públicas e que, nas próprias palavras dos jovens, é crítica da política, mas quer mudá-la. Alguns mitos foram quebrados como os de que os jovens não queiram discutir política; são inexperientes; não há possibilidade de diálogo entre pessoas de diferentes partidos e organizações; os jovens estão substituindo velhas por novas formas de fazer política. De acordo com a pesquisa, “os depoimentos indicam posições contrárias às opiniões correntes, que sugerem despolitização dos jovens, desencantos em relação à política e lugares comuns como o que haveria uma “nova forma de fazer política” entre os jovens, indicando um suposto afastamento deles em relação aos partidos políticos e uma orientação individualista que os apartaria de causas coletivas e preocupação com a coisa pública. Ao contrário dessas concepções estereotipadas, muitos jovens discutem ideias e ações em prol tanto da sua como de outras gerações. Os meios de comunicação procuram pausterizar a opinião em relação à juventude e abordar o tema sob a perspectiva do comportamento juvenil, de forma preconceituosa e indicando rótulos para o comportamento dos jovens. A Revista Juventude.br procura realizar uma outra abordagem sobre a juventude, pautando temas teóricos e inovadores, servindo como fonte de pesquisa e referência na área.
Brenda: Penso que a formulação específica sobre juventude ou se encontra nos veículos voltados ao público juvenil da mídia dominante, que geralmente abordam comportamento, ou, de forma mais dispersa, na academia. No primeiro caso, é uma produção a homogeneizar os estilos e as práticas juvenis na perspectiva do consumo, da criação de necessidades mercantilizadas, o que vai conformando a concepção dominante do que é ser jovem, na medida em que associa a idéia de juventude a uma forma de se vestir, a determinadas músicas, a certos desejos de futuro. Mas a possibilidade de consumo, tal como difundido nas revistas tipo Capricho, está colocado a uma parcela reduzida da juventude, surgindo formas de resistência que estabelecem práticas juvenis alternativas, contestadoras. O que não aparece na mídia dominante e, quando aparece, é de forma estereotipada. Já na academia, na universidade, no último período, foram vistos esforços para delimitar a juventude como objeto de estudo, criando grupos de pesquisa, especialmente na forma de observatórios de juventude. Já existia nas universidades a formulação sobre criança e adolescência. De longa data, setores mais progressistas na universidade brasileira se voltaram para pensar a relação entre a infância e da adolescência e a necessidade de tutela pela sociedade, pelo Estado. Então, a originalidade da Revista Juventude.br é estar muito sintonizada com as práticas da juventude brasileira, sejam políticas, culturais, entre outras e, ao mesmo tempo, procurar subverter visões estereotipadas, apresentando novas concepções. É um esforço do CEMJ que deve ser muito valorizado, mas avalio que devemos coletivamente nos debruçar mais sobre a formatação de um veículo de comunicação que é teórico, mas também que é dirigido aos jovens.
Bia, Brenda, além da revista, que outros projetos estão sendo desenvolvidos neste momento pelo CEMJ? Que temas predominam em termos de Estudos? E especificamente quanto à memória que projetos vêm sendo tentados? Com a internet tem sido utilizada para um amplo contato do Centro com a juventude brasileira?
Bia: Nos últimos anos o CEMJ, vem procurando cada vez mais diversificar suas áreas de pesquisa, pautando diversos estudos na área da cultura, esporte, comunicação e participação juvenil. Além disso, contamos com um grande acervo, que contém documentos históricos e raros que ilustram a participação dos jovens nos últimos anos no Brasil e em diversos países. Trata-se do CEDOJ – Centro de Documentação da Juventude. Nosso próximo passo, será a constituição do Portal “Juventude.br”, que pretende se consolidar como um espaço de referência de pesquisas, ambiente interativo com a juventude e que contará com a parceria de diversas organizações que atuam na área de pesquisa, participação e movimentos juvenis.
Brenda: Como a Bia bem colocou, desde o relançamento, o CEMJ trabalhou com os temas de memória, participação, esporte e políticas públicas. Em relação à memória, temos um projeto permanente que é o CEDOJ, que conta com um acervo bem original, único, sobre participação da juventude brasileira. Estruturar e manter um arquivo é bem caro. Um dos nossos desafios é abrir o CEDOJ ao público, para servir de referência para os pesquisadores da área. E mais nesse momento que há um esforço da sociedade em resgatar a memória política, em especial da época da ditadura militar. Como desdobramento do tema memória, nos voltamos para produção audiovisual. Elaboramos uma trilogia de documentários sobre memória do protagonismo juvenil no Brasil. Nesse próximo ano, a perspectiva é aperfeiçoar o nosso trabalho na área do audiovisual. Vamos desenvolver o projeto Juventude e Brasilidade, que tem por objetivo lançar luz ao debate sobre a relação da identidade juvenil e identidade nacional, bem como o projeto Participação na Tela, que buscará perceber as características da participação da juventude brasileira. Na área do esporte, também estamos acumulando de maneira mais consistente. Realizamos o Seminário Internacional sobre Políticas de Esporte para a Juventude e o Encontro Nacional de Atléticas, este último a fim de refletir sobre o esporte educacional. Este ano, faremos o Seminário Legado de Megaeventos Esportivos para a Juventude, para debater quais são as perspectivas para a juventude com a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo. Associado a tudo isso, para uma maior projeção enquanto de centro de estudos no próximo período, aposto na constituição de um grupo de pesquisa sobre a relação educação-trabalho para a juventude.
Coincidentemente, são duas mulheres jovens que se sucederão na presidência do CEMJ. Especificamente a juventude feminina tem crescido muito em participação, segundo me parece. É certo isso?
Bia: Concordo plenamente. As mulheres vêm ocupando cada vez mais espaço na sociedade. Já somos maioria na universidade, e penso que as jovens mulheres têm se destacado cada vez mais nos espaços de representação social. O CEMJ é um espaço privilegiado de atuação, e penso ter sido privilegiada em ter a oportunidade de ocupar a presidência, pois tal experiência me proporcionou outra perspectiva acadêmica e contribuiu bastante para minha formação.
Brenda: Os dados têm revelado maior presença da mulher do mercado de trabalho, enquanto chefes de família, inclusive desenhando o crescimento de famílias monoparentais. Vemos mais mulheres na pós-graduação, entre o eleitorado brasileiro. O tema da violência contra a mulher foi destaque neste último período, especialmente pelo debate da Lei Maria da Penha. Frente a esse cenário, uma maior participação de jovens mulheres nos espaços políticos e públicos tem se delineado nestes anos 2000, seja nos movimentos sociais, seja no parlamento. Mas enfrentar, tanto a questão de gênero, quanto a questão intergeracional, ainda é muito duro. Os estereótipos são muito fortes, já que somos vistas, geralmente, por lentes que buscam as formas “masculinas” de como participar, de atuar, de se portar.
Apontem os desafios do CEMJ no cenário político do Brasil para o próximo período?
Bia: O mais importante é o papel na elaboração e construção de políticas voltadas ao tema juvenil. Cada vez mais se consolida como um espaço de pensamento ousado e inovador da juventude. Na construção do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, o CEMJ tem como tarefa principal estreitar ainda mais o vínculo orgânico com os movimentos juvenis, com destaque especial para a UJS, reforçando a compreensão de que o desenvolvimento teórico não pode se distanciar da realidade da juventude. Mesmo correndo o risco de cair na retórica, nunca é demais reforçar a importância do papel da juventude para o êxito de um projeto de nação, e que leve em conta este segmento social que cada vez ocupa um espaço privilegiado na participação política do nosso país.
Brenda: O papel do CEMJ passa pela compreensão de que a busca da hegemonia política entre a juventude passa pelo acúmulo teórico na temática juventude. Acúmulo que deve ser sintonizado com a realidade da juventude brasileira e com a nossa história enquanto nação. Assim, do vínculo orgânico com o movimento juvenil, tem-se a possibilidade de formular concepções de juventude, pensar suas práticas e, fundamentalmente, contribuir com o avanço da proposição de políticas públicas de juventude nos espaços institucionais. Não somos um centro de estudos para fazer a ciência “desinteressada”, com pretensões de neutralidade. Por isso, é preciso consolidar uma rede de pesquisadores marxistas e progressistas em determinadas temáticas essenciais para o estudo da relação entre juventude e projeto nacional, valorizando especialmente a formulação de jovens pesquisadores com trajetórias no movimento juvenil, bem como estabelecer relações com centros de estudos e instituições universitárias, definindo parcerias para projetos de pesquisa. Se a disputa pela hegemonia tem dimensão ideológica, precisamos nos posicionar nesse campo.
http://www.vermelho.org.br/blogs/wsorrentino/2010/02/08/hegemonia-politica-entre-a-juventude-demanda-acumulo-teorico-na-tematica-jovem/#more-1566
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